BRASIL ESTREIA NA PANORAMA
     
 

PUBLICADA EM 11.02.14

Myrna Silveira Brandão

O destaque ontem da Panorama, a paralela mais prestigiada da Berlinale, foi Hoje eu Quero Voltar Sozinho, de Daniel Ribeiro.

O diretor está de volta à Berlinale, onde em 2008 ganhou o Urso de Cristal com seu primeiro curta-metragem Café com Leite, que também foi premiado nos festivais de Turim e Miami, além de ter ganhado o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. 
 
Em 2010, ele também esteve aqui participando do Berlinale Talents Schipt Station – laboratório que acontece durante o festival –  justamente para desenvolvimento do roteiro de Hoje eu Quero Voltar Sozinho, que marca sua estreia em longas-metragens.
 
O filme é a história de um jovem deficiente visual que busca a independência e lida com as descobertas da adolescência.
 
Antes da concorrida sessão de gala no Complexo Cinemark, onde normalmente acontecem as sessões da Panorama, Ribeiro conversou com o Mccinema sobre a importância da participação em Berlim, a inspiração para o filme e a temática gay que tem predominado no seu cinema.
 
O que representa para você e para Hoje eu Quero Voltar Sozinho essa seleção em Berlim?
 
“Estrear o meu primeiro longa em Berlim é muito simbólico pois foi aqui  que o Café com Leite meu primeiro curta, estreou internacionalmente e ganhou um prêmio em 2008. Eu tenho um carinho muito grande pelo festival e pela cidade, então não poderia ter lugar melhor para começar a carreira deste filme. Além disso, por ser uma vitrine importante, acredito que possa ajudar o filme a ter mais visibilidade para o lançamento dele lá no Brasil, que acontecerá um mês depois do festival”. 
 
Seus filmes – bem como a forma como você aborda os temas – têm tido ótima receptividade. Qual sua expectativa do público da Panorama?
 
“Uma das coisas que eu mais gosto do Festival de Berlim é a energia do público que frequenta o festival. É um pouco parecida com a da Mostra de São Paulo, onde os cinéfilos tomam conta das ruas da cidade, desconhecidos caminham cúmplices entre uma sala e outra, com seus catálogos, programações e credenciais nas mãos. Eu, normalmente, gosto de não criar muita expectativa, mas sinto que Hoje eu quero voltar sozinho é um filme que pode gerar discussões interessantes. Principalmente para esse público do festival que pode odiar ou amar um filme, mas acima de tudo, está aberto para ver coisas novas”. 
 
Qual foi a motivação para fazer o  filme?
 
“Em 2010 – após ter ganhado o Urso de Cristal com Café com Leite (2007) – eu realizei Eu não quero voltar sozinho, meu segundo curta-metragem.  Ele pode ser considerado quase um piloto deste agora.
A premissa é a mesma, sobre  a vida de Leonardo um garoto cego, que muda completamente após a entrada na classe de Gabriel.Nessa época, eu perguntava para todo mundo. Como uma pessoa, que nunca viu um homem ou uma mulher, se sente atraído por alguém?  Qual foi sua primeira lembrança de se sentir atraído por alguém?  O plot parecia um dramalhão: um cego que se descobre gay. A ideia era tratar as duas coisas como não proKblemas, já que é um problema tal como para alguém que é alto, ser alto. O que me interessava eram os dilemas de alguém que é cego e se apaixona
 
Quais as diferenças entre os dois filmes?
 
“São filmes bem diversos. A premissa do longa-metragem  é a mesma do curta, mas é como se fosse um reboot (o ato de reiniciar).  É tudo bem diferente: novos personagens, novos conflitos, nova maneira da relação se desenvolver. Sempre pensamos em projetos diferentes, pois sabíamos que demoraríamos a captar, que os atores iam crescer e assim por diante. Claro, que tem cenas que são parecidas. E tem muita coisa que havia copiado do roteiro e que não entrou na  montagem porque iria parecer infantil.  Mexi muito no roteiro ao longo dos anos”.
 
Seus filmes podem ser considerados de temática gay?
 
“Nos meus filmes os personagens não pedem licença para serem aceitos, essa não é a questão. Eles deveriam ser aceitos, se você não os aceita, problema seu. Quando a gente fala sem discutir com o público se é certo ou errado, acabamos o guiando a encarar o assunto com normalidade. O mais fácil é retratar o gay de forma completamente natural. Se você perde seus pais, não importa se você é gay ou não, a dor é igual. Convivo com muitos gays, sei como se comportam. O olhar estereotipado vem de quem não convive com gays, daquele que está distante”.
 
Como começou a ideia de desenvolver essa temática nos seus filmes?
 
“Trabalhar filmes com esse viés veio de forma muito natural, de uma lacuna sentida durante a adolescência. A primeira razão de trabalhar histórias gays é porque sou gay e queria contar histórias de personagens que não são retratados. Era adolescente nos anos 1990 e quase não tinha filmes que mostrassem gays. Queria contar histórias comuns, que as pessoas pudessem se identificar e que os personagens fossem gays. Se mudar para um casal heterossexual, não muda muito a história, ser gay não é a questão. Muitos adolescentes, por exemplo, se descobrem gays e querem ser ver retratados, de forma doce, inteligente. Quando eu era adolescente, havia muitos poucos exemplos de casais gays na mídia. Hoje não, os gays estão fora do armário. Toda novela tem um par gay. Eu talvez tenha pertencido à última geração que teve crise com o descobrir-se gay”. 
 
A forma de abordar a sexualidade foi intencional?
 
“Quando um filho fala para a mãe que é gay, o que ela entende é que ele faz sexo com outros homens. No meu filme inicial,  eu  falo de amor platônico, quase nada sexual. Isso muda um pouco em Hoje eu Quero Voltar Sozinho. Com o trio de atores mais velhos, todos maiores de idade durante a filmagem, foi possível trabalhar um viés mais sexualizado. E o preconceito faz-se presente. No longa há um bullying porque precisa ter um conflito, mas de forma muito leve”. 
 
O roteiro, em seu desenvolvimento narrativo, construiu  histórias com bastante sensibilidade. Havia essa preocupação?
 
“Para mim, a base de tudo é o roteiro, é  a orientação do filme. Se você tem a segurança no roteiro, você consegue fazer todas as mudanças necessárias quando está filmando. No longa fui um pouco redundante nas informações, porque não sabia o que ia conseguir filmar e se ia ficar bom. Durante a montagem, o roteiro foi ficando mais solto, menos amarrado. Tudo o que era redundante foi tirado. No set e nos ensaios, tenho um controle muito grande do roteiro e sei o que é possível mudar”.
 
Como foi o trabalho de desenvolvimento  do roteiro?
 
“Em Hoje eu Quero Voltar Sozinho,  eu fiquei três meses dedicado apenas ao roteiro, após ganhar o edital de desenvolvimento. O roteiro foi maturando na cabeça e, paralelamente,  eu  sempre trabalho com anotações.  Depois revi  todo o projeto.  Foi numa dessas maturações que o longa mudou de nome. Anteriormente tinha sido batizado de Todas as Coisas Simples. Além de fazer um jogo com o título do curta, há uma mudança na construção do personagem. No curta, o garoto cego não queria voltar sozinho porque estava apaixonado. No longa, por entrar os personagens da avó e da mãe que é superprotetora, Leonardo queria poder ficar sozinho, poder voltar sozinho, porque aquilo significa indenpendência”.  
 
A que atribui a seleção para Berlim?
 
“Ter recebido o Urso de Cristal com  Café com Leite, certamente ajudou na seleção do meu longa. Depois do Festival de Berlim de 2008, o curta circulou por inúmeros festivais e abriu muitas portas. Além disso, em 2010, eu participei do Berlinale Talents Script Station com o roteiro do Hoje eu quero voltar sozinho. O Talents é um laboratório que acontece durante o festival.  Acho que esses caminhos cruzados com Berlim ajudaram o longa a estrear aqui”.   
 
Após Berlim, quais são os próximos passos para o filme?
 
“Tudo que quero é mostrá-lo ao mundo. No Brasil, deve chegar comercialmente, via Vitrine Filmes, no primeiro semestre do ano que vem, antes da Copa.  Até lá ficarei focado nele. Tenho ideias de outros filmes e séries, mas precisam ser colocadas no papel”.
 
Numa frase, como se sente?
 
“Estou muito feliz que o filme terá essa vitrine porque, na hora de lançar um filme, ainda mais um filme pequeno e sem dinheiro como o nosso toda visibildiade é essencial”.
 

     
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