ABUSO DE FRAQUEZA
     
 

26.09.13

Myrna Silveira Brandão

Breillat fala do seu filme no NYFF

Nova York

O cinema de Catherine Breillat – Uma velha amante (2008), Barba Azul (2009),  The Sleeping Beauty (2010) entre outros –  tem sido centrado no tema da sexualidade feminina e/ou das mulheres exercitando a sua liberdade duramente conquistada num mundo cujos valores são predominantemente masculinos. 

Abuse of Weakness, seu novo trabalho, mostrado na 51ª edição do Festival de Nova York, gira em torno do tema, mas desta vez falando de uma experiência autobiográfica.

A história segue Maud (Isabelle Huppert), uma diretora recentemente acometida de uma doença, que a deixou com um lado do corpo paralisado e que se envolve numa relação destrutiva com Vilko (vivido pelo rapper Kool Shen na sua estreia), um homem que ela estava planejando colocar no elenco do seu próximo filme.

As semelhanças são todas.  Breillat sofreu um derrame em 2004 e, desde então, é portadora de doença vascular cerebral. E foi vítima de um homem que, segundo ela,  a roubou quando estavam em negociação para a participação dele num filme.

Logo após, Breillat escreveu o livro Abus de faiblesse,  que dá sua versão dos acontecimentos. Devido à doença ela afirma que não tem lembrança de ter assinado um cheque para ele. O filme é baseado no livro e na experiência pessoal de Breillat.

Na coletiva após a projeção, Breillat falou sobre o filme, seu método de trabalho e a censura em sua obra.  Leia os principais trechos:

O filme é baseado numa experiência pessoal?

“Sim, sobre uma pessoa que se aproveitou da minha  fragilidade e vulnerabilidade. Eu estava planejando dirigir um filme estrelado por ele, baseado em sua vida. A gente não imagina que vai ser vítima de um abuso, mas só quando ocorre, percebe que poderia acontecer.  Não foi difícil me enganar, ele era adorável comigo”. 

Além da experiência, há também um viés ficcional?

“Sim, embora baseado num fato real, o filme é uma ficção porque o que é realmente importante nesta história é que há uma vítima e há um algoz. É mais  interessante explicar em um filme do que no livro . No livro ninguém entendia muito o que era a mistura de fraqueza e  inteligência. Eu fui ingênua,  além de me considerar muito inteligente. Isso é bem interessante”. 

Tem sido difícil filmar ultimamente? 

“Tem sido muito difícil porque de fato estou muito doente. Quando eu termino de filmar uma cena vou para a cama descansar um pouco,  enquanto a equipe monta a iluminação para a cena seguinte. Eu estou paralisada de um lado, mas se não estiver fazendo  um filme fico sendo apenas uma pessoa com deficiência. Para mim, o cinema é verdadeiramente minha primeira paixão”. 

No seu método de trabalho, os atores tem liberdade  para improvisar?

“Claro, é muito pobre os atores fazerem exatamente o que escrevi. Peço sempre para eles proporem algo diferente, algo que me surpreenda”.

Violência e sexo fazem parte do seu cinema.  Como lida com a censura? 

“As imagens não podem ser censuradas. Não é simplesmente uma imagem, mas uma interpretação artística. Eu nunca penso sobre a violência em meu cinema, se é ou não ruim para a sociedade. O ruim é fazer o que não é honesto, o que não é verdadeiro.  No entanto, meus filmes são sempre considerados subversivos, dizem que é perigoso.  Perigoso por quê? Para quem?”


Carlos Augusto Brandão

Nova York

Burning Bush, minissérie dirigida por Agnieszka Holland, tem 234 minutos e, durante essas quase quatro horas,  manteve atenta  a plateia ontem na sessão prévia para a imprensa no Festival de Nova York.

Feita para a HBO, a minissérie é sobre os dramáticos acontecimentos ocorridos no auge da turbulência política na então Tchecoslováquia, quando  Holland era uma estudante em Praga e testemunhou muito do que aconteceu na época.

Dividida em três partes, narra as consequências políticas, legais e morais que se seguiram à morte do estudante checo Jan Palach, que em 1969 ateou fogo em si mesmo em Praga, em protesto contra a repressão do governo. 

Em seu filme, a talentosa diretora tece uma teia de conflitos entre os  profissionais da área jurídica, todos tentando ver, de alguma forma, seus próprios interesses. Apesar da maratona , o filme consegue a proeza de não  ser cansativo, alternando momentos de suspense político, romance  e drama de família com bastante habilidade na edição e na trilha sonora. 

Na coletiva após a projeção, da qual participou o MCcinema, Holland  – que está de volta ao festival, onde teve  ótima receptividade em 1997 com A Herdeira – falou de Burning Bush e do seu envolvimento  com o filme. Leia os principais trechos:

Até que ponto o filme é um projeto  pessoal?

Quando ocorreu o episódio com o Jan,  eu era uma estudante na escola de cinema FAMU  em Praga. Foi um momento muito importante da minha vida, eu diria que foi um tempo de iniciação em  vários níveis: pessoal, profissional, político, talvez tenha sido a fase de minhas melhores experiências. Eu nem diria que é uma história muito perto de mim, é muito mais, eu fazia parte dela.

Você estava em Praga no dia que Jan se imolou?

No dia 16 de janeiro eu estava na Polônia, tinha ido passar lá o Natal e o Ano Novo.  Mas quando voltei à Praga, as pessoas ainda estavam atônitas, assustadas e incrédulas.  Foi uma emoção muito forte, jamais vou esquecer.

Por que  decidiu fazer o filme?

O roteiro escrito por Stefan Hulik foi como um presente inesperado do destino.  Eu estava muito envolvida em tudo que ele aborda.

Você teve acesso aos documentos para contar essa história?

Sim, é claro, tive acesso a muitos documentos, mas grande parte foi destruída pelo governo. O filme  foi produzido pela HBO, que é um produtor muito especial. Eu me senti livre para  dirigir o filme exatamente como eu o via na minha mente antes de filmá-lo.

Houve  dificuldades por não ser da mesma nacionalidade de onde o fato ocorreu?

“Honestamente, acho que sou uma diretora eclética, faço  coisas que envolvem muitos estilos, realidades e culturas diferentes.  Mas às vezes ser um estranho na cultura pode levar a resultados vibrantes na telas. Além disso, ser diretor não é apenas impor sua visão, mas também estar aberto a outras realidades”.

Como tem sido a reação ao filme?

“Este é o primeiro longa-metragem dedicado a Jan Palach e as reações dos espectadores checos têm sido muito intensas, eles assistem e choram.  Muitos me dizem que esperaram 20 anos por este filme”

     
  » Imprimir  
 
   
  Seja o primeiro a comentar esta matéria (0) Comentário  
   
   
  Voltar