O CINEMA SOCIAL DE LOACH
     
 

PUBLICADA EM 19.09.16

Myrna Silveira Brandão

“I, Daniel Blake”, de Ken Loach, deu início às sessões para a imprensa da 54ª edição do Festival de Nova York.

Os filmes do cineasta britânico são sempre aguardados com muita expectativa no festival, desde a ovação que recebeu em 1998 com Meu Nome é Joe, que o projetou internacionalmente. O filme – um drama pesado sobre alcoolismo e exclusão – forneceu a rota para o viés social que Loach iria adotar desde então no seu trabalho em filmes como Pão e Rosas, À procura de Eric, Irish Route, entre outros.
 
Neste seu novo trabalho – e depois de surpreender os espectadores há dois anos com uma comédia, o hilariante A Parte dos Anjos – Loach retoma o tema recorrente em sua carreira, a luta do indivíduo contra instituições opressoras.
 
I, Daniel Blake  é uma denúncia sobre o sistema previdenciário britânico e a burocracia que se construiu recentemente no país para garantir benefícios.
 
A história segue Daniel Blake, o personagem título interpretado por Dave Johns, um carpinteiro de Newcastle, de meia-idade que enfrenta tremendas dificuldades  para conseguir o benefício por invalidez após uma parada cardíaca o impedir de trabalhar.
 
Imprensado entre formulários e exigências contraditórias para conseguir a pensão a que tem direito, o solitário Blake, entra em desespero diante da ameaça de virar um sem-teto.
 
Entre idas e vindas ao Departamento de Trabalho e Pensões, ele conhece Katie (Hayley Squires), mãe solteira que foi despejada de um conjugado em Londres e despachada pelo Serviço Social para uma cidade a 150 km da capital e que tem dificuldades para criar os dois filhos pequenos.
 
Loach explica a origem do filme, cujo roteiro foi desenvolvido por ele e o roteirista Paul Laverty. 
 
“Há muitas histórias semelhantes que poderiam ser contadas.  O que pretendíamos era retratar  personagens capazes, inteligentes, que lutassem contra esse sistema. O  protagonista tem um ofício, está a par dos seus direitos, não é uma vítima óbvia”, afirma esclarecendo que o filme não foi motivado apenas por uma atitude de ira ou fúria contra um sistema injusto.
 
“Não podemos saber o que se passa se ficarmos indiferentes. A fúria faz parte disso. Estas são pessoas que conhecemos bem, pois constituem a maior parte da população, são centenas de milhares. Mas além dessa fúria temos de perceber como seguimos adiante, como mudamos as coisas”, ressalta.
 
Quanto a conferir no filme um toque de humor a temas tão dramáticos, Loach diz que as pessoas são assim.
 
“Em qualquer local de trabalho, obra ou mesmo num banco podemos constatar isso. Tirar essa característica das pessoas não seria realista e seria pouco humano”, ensina demonstrando sua dúvida se o filme pode ajudar a mudar esse estado de coisas na Europa.
 
“Não sei se pode, é uma voz pequena dentro de um coro grande. Não sei, talvez possa encorajar algumas pessoas a lutar contra o sistema.  Quando se faz um filme, a primeira responsabilidade é sobre a verdade daquilo que tratamos, seja qual for a forma exprimida. É isso que procuramos fazer, essa é a nossa parte”, conclui. 
 
O filme deu ao veterano cineasta de 80 anos a Palma de Ouro em Cannes, que após recebê-la, declarou na ocasião.
 
“A Palma para meu filme é a prova que outro mundo é possível”.
 

     
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