O UNIVERSO EMOCIONAL DE ALMODÓVAR
     
 

PUBLICADA EM 04.10.16

Carlos Augusto Brandão

Pedro Almodóvar tem um público cativo no Festival de Nova York.

Conscientes disso – e ao lado do talento do consagrado diretor espanhol – os organizadores sempre incluem seu filme mais recente na programação.
 
Após “Carne Trêmula”, “Tudo sobre Minha mãe”, “Fale com Ela”, “Má Educação”, “Volver”, “A Pele que Habito” e “Abraços Partidos” (este encerrou o festival em 2009), Almodóvar está de volta ao evento com “Julieta”.
 
Na verdade, mesmo que um ou outro filme seu não agrade tanto, a essência de sua arte atrai admiradores.
 
Já lançado no Brasil em julho último, o filme – vigésimo longa-metragem do cineasta – retrata a maternidade e a dor do abandono repentino através da história da personagem título, uma mãe que vive uma cruel incerteza depois de ter sido abandonada, sem explicações pela filha.
 
A trama começa quando a Julieta de meia-idade planeja uma longa viagem a Portugal com o seu namorado Lorenzo (Dario Grandinetti). Um encontro casual com uma jovem na rua faz com que mude por completo de planos e coloque sua vida em questão. O filme vai do presente ao passado por meio de flashbacks.    
 
Almodóvar inspirou-se em três contos da escritora canadense Alice Munro – ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura em 2013 –  para escrever o roteiro de “Julieta”. São os textos Ocasião, Daqui a Pouco e Silêncio, que figuram no livro “Fugitiva”, publicado pela Biblioteca Azul, selo da editora Globo.
 
O filme é protagonizado pelas atrizes Adriana Ugarte e Emma Suárez, que interpretam a personagem Julieta em duas fases da vida.
 
Envolta em temas densos como o destino e complexo de culpa, a história destaca o mistério que nos leva a abandonar quem amamos e a afastar pessoas de nossas vidas como se elas não tivessem deixado alguma lembrança.
 
Almodóvar diz que por um triz o filme não foi seu primeiro trabalho  em língua inglesa.
 
“Cheguei a pensar em fazê-lo no Canadá, e até pesquisei onde poderia filmar. Descartei porque é um país muito frio e eu não conseguiria viver cinco meses no inverno, e numa língua estrangeira. Pensei então em Nova York, que tem uma cultura latina muito forte, mas de novo esbarrei na língua. Não conseguiria ser autêntico filmando em inglês”, conta o diretor, cujo filme só começou a tomar forma quando se decidiu pela Espanha.
 
“Mesmo assim, o projeto tardou muito, consumiu anos. Mas se eu tivesse feito antes, a mãe seria diferente, mais próxima dos meus filmes anteriores”, afirma Almodóvar que, a exemplo de suas outras obras, carrega nas cores neste novo trabalho.
 
“Minha descoberta do cinema está muito ligada ao Technicolor. Comecei amando aqueles filmes de cores muito saturadas. Posso ter evoluído para outros filmes e autores, mas as cores ficaram. E depois, eu precisava da cor.  Julieta é muito sombrio, muito duro. Sem a intensidade, e luminosidade da cor para balançar, poderia ficar insuportável”, avalia.
 
Almodóvar reconhece as influências de Alfred Hitchcock em “Julieta”, principalmente nas cenas onde a ação passa-se num trem.
 
“Foi uma ousadia minha porque ninguém sabe filmar tão bem num trem como Hitchcock”, reconhece o cineasta, explicando a cena do cervo na neve, que Julieta vê do trem e que é um dos planos mais misteriosos do filme.
 
 “No livro é um lobo prateado, que não temos na Espanha.  Resolvi adaptar porque, para mim, era fundamental. Não sei nem se o espectador retém a imagem, mas completa alguma coisa no meu inconsciente. De qualquer forma, cabe ao público decifrar”, ressalta.
 
Hollywood vem assediando o cineasta, mas até agora ele tem resistido. Diz, no entanto, que possivelmente acabará sucumbindo à grande indústria americana.
 
“Há muitas atrizes e atores americanos com quem eu gostaria de trabalhar, mas não sei se eu tenho conhecimento suficiente da língua e principalmente da cultura americana. Em algum momento talvez acabe fazendo algo com eles, nunca se sabe”, despista.

     
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