O UNIVERSO DESOLADOR DE KAURISMAKI
     
 

PUBLICADA EM 14.02.17

Carlos Augusto Brandão

O grande destaque da competitiva oficial da 67ª edição do Festival de Berlim hoje foi “The Other Side of Hope”, de Aki Kaurismaki.

A seleção marca a volta do diretor finlandês à Berlinale, onde em 1999 ganhou um importante prêmio da Confederação Internacional dos Cinemas de Arte com o ótimo “Juha”, um filme mudo realizado em preto e branco sobre uma mulher casada seduzida por um forasteiro que pernoita em sua casa.
 
De lá para cá, o diretor tem focado sua obra nos marginalizados da sociedade, como mostrado na sua tocante trilogia da exclusão, iniciada com os males do desemprego (“Nuvens Passageiras”), seguida pelo drama dos moradores de rua (“O Homem sem Passado”) e encerrada com a abordagem da solidão (“Luzes do por do Sol”).
 
Seu novo filme é um olhar fabular sobre os refugiados, segundo capítulo de sua outra trilogia  – a da cidade portuária – que foi iniciada com o ótimo e premiado “O Porto” (2011). 
 
O título inicial inclusive de “The Other Side of Hope” tinha sido Refugiado, em face da crise de refugiados em curso na Europa.
 
A história, que se passa em uma pequena cidade portuária, segue as vidas de um vendedor e de um refugiado sírio que se cruzam de maneira surpreendente.
 
O filme conta com a excelente fotografia de Timo Salminen, colaborador habitual de Kaurismaki que, usando gels e filtros para criar tonalidades intensas, consegue transpor para as telas sutis reflexos que lembram a obra de Edward Hopper, o pintor americano que traduzia em seus quadros o drama das grandes cidades.
 
Como seus roteiros são quase sempre amargos e se constituem de diálogos muito curtos, deixando que a maior parte dos sentimentos se expresse por olhares e gestos, seus filmes precisam de uma montagem mais ágil, como foi realizado na ótima edição de  Samu Heikkilä.
 
O elenco conta com Kati Outinen – que trabalhou em “O Porto” – e inclui também Tommi Korpela, Sakari Kuosmanen, Janne Hyytiäinen, Nuppu Loivu, Jaija Pakarinen, Ilkka Koivula, Tuomari Nurmio e Sherwan Haji.  
 
Na concorrida coletiva após a projeção, Kaurismaki disse  que sua principal motivação foi colocar em debate a questão dos refugiados.
 
“Embora não tenha respostas ou uma proposta de solução para esse problema, considerei importante tratar do tema nos meus filmes”, explica acrescentando que o cinema deveria estar mais atento para isso.
 
“Acho que os filmes não tratam o suficiente do agravamento contínuo da crise econômica, política e, sobretudo, moral causada pela questão não resolvida dos refugiados”, afirma enfatizando seu desalento com o mundo atual. 
 
“Não tenho muita esperança em relação ao nosso planeta, principalmente quando vejo a ação de algumas pessoas que vivem nele”, desabafou Kaurismaki que é o irmão mais velho do também cineasta Mika Kaurismaki, que vive grande parte de seu tempo no Brasil, onde já filmou “Amazonas” e “Tigrero” – este realizado em conjunto com Samuel Fuller e Jim Jarmush em 1994 – e “Brasileirinho”, em 2004.
 
Mas enquanto Mika expressa sua arte em filmes extrovertidos, alegres e musicais, Aki prefere retratar as mazelas da sua Finlândia e sua casta de excluídos, que vivem à margem de uma sociedade que parece os ignorar.
 
E para isso, o talentoso diretor apesar do tom pessimista, já tem uma assinatura única.





 

     
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