Festivais - REALIDADE E DELÍRIO
     
 

PUBLICADA EM 24.09.14

Carlos Augusto Brandão

Cavalo Dinheiro, de Pedro Costa impressiona pela inovação e o inusitado da filmagem.

.
O filme foi mostrado ontem nas sessões de imprensa da 62ª edição do Festival de Nova York.
 
Como já tinha acontecido no Festival de Locarno, onde foi lançado, o novo trabalho de Costa também aqui despertou reações opostas.  Enquanto muitos aplaudem, outros deixam a sala antes do final da projeção.
 
No novo trabalho de Costa,  a Revolução dos Cravos é  o ponto central  de uma fantasmagórica história onde as coisas não seguem uma narrativa convencional.
 
A origem de Cavalo Dinheiro tem início em 1994, quando o diretor foi a Cabo Verde rodar um filme (Casa de Lava). Voltou com cartas de pessoas que conheceu lá para entregá-las a  imigrantes cabo-verdianos que habitavam a vizinhança, hoje demolida, de Fontaínhas, uma favela de Lisboa.  
 
Após esse fato, decidiu filmar o que chamou  de” Trilogia das Fontainhas” composta de:  Ossos (1997), No Quarto da Vanda (2000) e Juventude em Marcha (2006).  Neste último,  que fecha a trilogia, o protagonista é Ventura, um  imigrante cabo-verdiano, que está presente também em Cavalo Dinheiro e, anteriormente, já esteve em outros curtas-metragens do diretor.
 
Numa espécie de “descida aos infernos”, são 104 minutos de uma viagem sem regresso no comboio-fantasma de um Portugal assolado pela guerra colonial, pela revolução e pela descolonização, com Ventura como uma espécie de Orfeu em busca de uma Eurídice inexistente e perseguido pelas assombrações do seu passado.
 
O diretor trabalha com uma equipe mínima e vai  pacientemente construindo uma linguagem cinematográfica única junto com homens e mulheres de quem ficou amigo.
 
Costa conta que Cavalo Dinheiro é um filme nascido de histórias e conversas e que foi muito sofrido fazê-lo.
 
“Como nas colaborações anteriores com Ventura, muito do que está no filme foi dito por ele. Somos quase da mesma idade e estávamos no mesmo lugar quando ocorreu a Revolução dos Cravos. Eu tinha 13 anos e acho que tive muita sorte em ser um rapaz novo na época, quando  descobri a música, a arte, a política...”, conta ressalvando que não teve intenção de preservar essa memória.
 
“Ao longo da nossa amizade de 20 anos o Ventura tem-me contado histórias do que ele chama a sua prisão.  Ele está muito doente, e tenta lembrar-se delas, mas talvez esta não seja a melhor parte. Outras pessoas fazem filmes para recordar, mas este não, penso que é um filme para esquecer”, ressalta.
Os comentários de que há algo de expressionista, alguma coisa de Murnau, Ford,  são contestados pelo diretor.
 
“O tempo é pouco para pensar  nas coisas dessa maneira.  Somos uma equipe muito reduzida, três pessoas a filmar, mais os atores, temos muito trabalho para fazer.  Se essas referências estão visíveis, é porque são algo que estão dentro de mim, sempre estiveram e sempre estarão”, diz acrescentando que Cavalo Dinheiro não é diferente de outros trabalhos que já fez.
 
“Não houve especial diferença de método nem de abordagem entre este e os filmes anteriores”, explica reiterando como foi penoso fazer o filme.
 
“Eu não deveria dizer isso, mas não sonho fazer filmes como este. Há muita morte nos meus filmes e não gosto disso, mas não sou capaz de evitar. Faço o que sinto que tenho de fazer agora.  São filmes que faço, não os que quero fazer”, explica o diretor de estilo único e  inegavelmente um dos mais extraordinários criadores de imagens do cinema moderno.