Festivais - CENÁRIO ÉTICO PARA GANHAR A LIBERDADE
     
 

Publicado em 15.07.2021

Myrna Silveira Brandão

“A Hero”, de Asghar Farhadi, teve première mundial na competitiva oficial de Cannes.

Esta 74ª edição do festival,  em face da pandemia, se cercou de todos os cuidados necessários para realizá-la de forma presencial.
 
Farhadi não é um novato no festival onde já esteve em 2016 com “O Apartamento” que ganhou dois prêmios: de melhor roteiro e melhor ator para Shahab Hosseini; e em 2018 com “Todos já Sabem”, um thriller com Penélope Cruz, Ricardo Darín e Javier Barden. 
 
Seu novo filme é a história de  Rahim (Amir Jadidi), que está na prisão por causa de uma dívida que não conseguiu pagar. Durante uma licença de dois dias, ele tenta convencer seu credor a retirar a reclamação se ele fizer o pagamento de parte da quantia, com um dinheiro casualmente encontrado em uma bolsa que alguém perdeu. Mas a ação coloca o protagonista em conflito moral.  A história prossegue e o filme caminha para o final com a assinatura usual do diretor: comovente, discreto e cuja interpretação pode variar conforme a percepção de cada espectador (a).
 
O bom elenco de atores iranianos inclui, além de Jadidi, Fereshteh Sadre Orafaiy e Sarina Farhadi, filha do diretor na vida real.
 
Para as filmagens de “A Hero” Farhadi retornou ao Irã, sua terra natal, onde ele tinha locado anteriormente “A Separação”, vencedor do Urso de Ouro em Berlim e o citado “O Apartamento”. Ambos ganharam o Oscar de melhor filme em língua estrangeira.
 
“A Hero”, é um forte concorrente aos troféus do festival.  Os vencedores serão anunciados na cerimônia de premiação no próximo sábado, dia 17.
 
 
Na conferência de imprensa promovida pelo festival nessa quarta feira (14), Farhadi falou sobre o filme e o  objetivo que busca no seu trabalho.
 
Como vê as críticas que têm sido feitas por não ter aprofundado em “A Hero” questões sobre a vida atual no Irã?
 
“Acho que quando descrevemos somente um grupo, não distinguimos o restante da sociedade. Quando, por exemplo, falamos apenas sobre uma família, nem sempre mostramos a sociedade na qual ela vive.  Portanto, as pessoas que criticam meu trabalho nesse aspecto, talvez considerem meus filmes muito simples ou esperassem neste um aprofundamento no assunto. Os filmes que realizo têm o mesmo ponto de partida que é o meu desejo de não entediar os espectadores e levá-los a concluir que desperdiçaram duas horas de sua vida o assistindo.  Para expormos um tema mais profundamente, é preciso partir de uma análise também profunda da sociedade para, aí sim, poder criticá-la.  E mesmo fazendo isso, pode parecer para algumas pessoas que não estamos criticando o sistema. No entanto, todas essas questões estão conectadas e, talvez esse olhar exista se  houver também, por parte dos espectadores,  um olhar mais profundo para ele”.
 
As referências às mídias sociais no filme objetivaram uma reflexão sobre como as pessoas estão se comunicando com sua própria realidade?
 
A primeira coisa que gostaria de esclarecer é que esse não é o tema principal de “A Hero. As mídias sociais  são apenas um aspecto da história. Eu não tinha nenhum objetivo específico quando abordei esse assunto; não queria destilar críticas ou elogiar, mas apenas reconhecer que esse fenômeno é onipresente, pelo menos para as novas gerações em meu País”.
 
Poderia explicar um pouco mais a questão?
 
Sim. Acho que a  imagem refletida pelas mídias sociais na existência de alguém pode contaminar  toda a sua vida. Uma pessoa, por exemplo, que em algum momento realiza um belo gesto, é sinalizada  pelas mídias sociais, acarretando a partir daí, uma admiração da comunidade na qual ela participa e criando expectativas em relação a todos os outros aspectos de sua vida, ou seja, as pessoas que a acompanham nas redes sociais criam uma narrativa própria para ela”.
 
Com “A Hero”, mais uma vez, você fez um filme com sua recorrente assinatura. Isso explica a descrição do que seja um herói?
 
“O filme é narrado através da minha entonação espontânea, e pessoal de contar histórias, independentemente do tema tratado. Essa é minha forma, à qual não oponho resistência. Ao contrário, procuro desenvolver sempre diferentes aspectos para explorar e adicionar  nuances ao meu trabalho”.