Nas Telas - LENTO E ESTRANHO
     
 

Carlos Augusto Brandão

PUBLICADA EM 20.06.14


Cães Errantes, de Tsai Ming-liang concorreu ao Leão de Ouro no último Festival de Veneza e agora chega ao circuito.
 
O filme é fiel ao estilo do diretor de Taipé, com o uso de planos imóveis e longos,  narrativa lenta e clima pesado.  Literalmente por vários minutos, a câmera fica parada focalizando a cena e levando os espectadores à reflexão sobre a trama que está sendo mostrada.
 
Como costuma acontecer, tem provocado opiniões divergentes onde tem passado: enquanto os admiradores do estilo do diretor aplaudem,  outros acham  o filme longo demais e abandonam a sala antes do final da projeção.
 
Cães Errantes retrata um pai e seus dois filhos vagando às margens da moderna Taipei, nas matas e rios dos arredores, na periferia da cidade, na chuva.
 
O sentido da trama envolve duas crianças vivendo o melhor que podem  com o pouco dinheiro que o pai ganha, se alimentando com restos de alimentos vindos de shopping centers. Em um desses shoppings, uma funcionária se encanta pela menina e acaba por salvar as crianças de um desfecho trágico.
 
O diretor foi um dos selecionados para a edição 2013 do Festival de Nova York, onde já mostrou vários de seus filmes. Entre outros, What time is it there (2001) e  Goodbye Dragon Inn (2003).  Ele também integrou o projeto coletivo Cada um com seu cinema, com It’s a Dream. O projeto, que reuniu 33 diretores, teve a participação de Walter Salles, com A 8944 km de Cannes.
 
A coletiva com Ming-liang foi realizada com poucas pessoas na sala, mas com muita participação e curiosidade sobre o filme e o futuro do diretor. Leia os principais trechos:
 
Por que a decisão de não ter uma história no seu filme?
 
Eu sempre optei por este tipo de cinema, então não é uma novidade não haver uma história neste, que foi provavelmente o mais difícil. Eu trabalho duro em todo o processo, nas filmagens, na edição, e o objetivo era realmente não ter história. Originalmente havia um roteiro sobre um homem desempregado e sua família.  O personagem permaneceu, mas  o roteiro desapareceu.
 
Procurando seguir o ritmo da nossa mente, onde o tempo de percepção do filme encontra a realidade?
 
Eu procuro dar liberdade no tempo das cenas deixando os atores decidirem  quanto tempo uma determinada cena vai durar. Também dou  liberdade para os espectadores que podem decidir se querem continuar vendo ou não. A ideia é eliminar todo o tipo de constrangimentos. Às vezes quando vejo as cenas, eu mesmo as acho um pouco longas ou monótonas, mas é tudo muito real porque a vida não é sempre significativa. É isso que me intriga e que eu procuro filmar.
 
Há um método para filmar? Nas cenas internas o teto é mostrado, nas externas quase nunca se vê o céu, em quase todas há uma distância...
 
Eu acho que a câmera é uma ferramenta muito poderosa e você pode conseguir as coisas mais incríveis com ela. Quando estávamos fazendo as cenas fora eu fui atraído pelo brilho da areia, ao contrário das cenas internas. Nelas, o teto era tão bonito, que eu resolvi filmá-los.
 
Este parece ser o seu filme mais radical e há indícios de ser o último. Jiaoyou (Stray Dogs)  é sua despedida do cinema?
 
Para mim, a vida é sempre uma parte do processo de produção de filmes, o cinema é um meio, uma linguagem. Portanto a questão é o que se pode alcançar com esta ferramenta e dar para o público. Se olharmos para  história do cinema, veremos que a construção de um filme é complicada, assim como o seu ritmo, a velocidade e o tempo das cenas. Eu tento reinventar a linguagem do cinema, redescobrir coisas que foram esquecidas para que o público possa preencher o que está faltando com a sua própria imaginação.
 
Mas este é seu último filme?
 
Muitas pessoas, especialmente os jovens, acham que fazer cinema é só diversão, mas na verdade é um monte de trabalho, não sei se este será o último, o destino vai resolver.