Nas Telas - UM FILME INTIMISTA
     
 

Myrna Silveira Brandão

PUBLICADA EM 04.05.15


Sono de Inverno, de Nuri Bilge Ceylan, chega ao circuito nacional precedido do sucesso de público e crítica.  Mostrado em vários festivais internacionais, iniciou sua carreira vitoriosa com a conquista da Palma de Ouro em Cannes 2014.
 
O filme é um épico intimista, que aos poucos revela a fragilidade das relações entre um ator aposentado (Haluk Bilginer),  dono de um hotel na Capadócia , sua jovem mulher, sua irmã e a comunidade em que mora.
 
Ceylan  escreveu seu longo roteiro com a mulher, Ebru Ceylan não apenas por causa do talento dela, mas por ser a única pessoa em quem confia. Com um primeiro corte de 4.30, o diretor editou o filme para alcançar a duração final de 3.17.
 
Inspirado em contos do escritor russo Anton Tchekov (1860-1904), o filme que aborda temas como desemprego,  auto centrismo e culto da individualidade, é corajoso e não faz concessões.
 
E embora longo,  mantém a atenção o tempo todo graças também a alguns momentos cômicos que ajudam a minorar a seriedade e equilibrar a tensão.
 
Passado nas secas e amplas planícies da Anatólia, entre as montanhas vulcânicas da Ásia Menor, a história traz um perfeito retrato da Turquia profunda.
 
Ceylan diz que a origem do filme tem a ver com a temática de sua obra.
 
“Faço filmes sobre seres humanos, e que, de alguma forma, são uma extensão da minha busca pelo lado negro da minha alma.  Por se tratar de histórias sobre a natureza humana, esses filmes acabam sendo reflexões políticas também”, afirma o diretor acrescentando que no seu cinema procura mostrar que ninguém é inteiramente bom ou mau.
 
“Quando crio um personagem desejo respeitar esse equilíbrio. Deve-se poder dizer sempre que um personagem somos nós mesmos, nunca o outro”, ensina.
 
Falando sobre seu método de trabalho, Ceylan se assemelhou a um escritor que não gosta de impor limites e não faz nada pensando em termos comerciais.
 
“Também sou obcecado por controle. Mas não  é uma escolha racional, isso vem naturalmente, pois faço tudo por instinto. Não faço corte técnico, mas é verdade que gosto muito dos planos vastos. A imensidade do quadro permite pensar no lugar que ocupamos na terra”, ressalta.
 
Sobre a predileção por vastos planos determinou a decisão de filmar na região de Anatólia, o diretor concorda, já que desejava fazer um filme claustrofóbico.
 
Escolhida a locação com suas casas casadas nas pedras, eu viajei para lá com apenas cinco pessoas”, conta. 
 
Ceylan sempre acumula a direção com o trabalho de fotografia.  E nesse filme, a luz é quase um personagem, o que determinou um  processo específico de trabalho.
 
“Para poder ambientar o filme naquele universo, filmamos as sequências noturnas usando como iluminação apenas a lua. Quando  ela não era suficiente, colocamos algumas luzes em um balão e as utilizamos como iluminação suplementar”, descreve.  
 
Embora revele que desistiu de trabalhar com jovens porque, dada sua experiência, eles não discutem nem o contestam, dedicou o filme e a vitória em Cannes a eles.
 
“Esses jovens deram suas vidas pela democracia e nos ensinaram muitas coisas. Eles merecem esta dedicatória. E receber o prêmio foi uma sensação estranha, mas muito boa”, revela o talentoso e premiado diretor de 55 anos.