Nas Telas - O TEMA RECORRENTE DE SEBASTIÁN LÉLIO
     
 

Myrna Silveira Brandão

PUBLICADA EM 11.09.17


Sebastián Lélio tem centrado sua obra em histórias de mulheres fortes, que estão sempre presentes em seus filmes.
 
“Uma Mulher Fantástica” –  seu novo trabalho,  que agora chega ao circuito – não foge à regra.  O filme foi lançado na 67ª edição do Festival de Berlim, na disputa do Urso de Ouro e saiu de lá com o prêmio de melhor roteiro e o Teddy Award (melhor filme com tema gay).
 
A trama segue Marina, uma transexual que tenta ganhar a vida nas noites como cantora num clube simples e de reputação duvidosa. As coisas pioram após a morte repentina de Orlando, seu namorado.  Ela precisará enfrentar o repúdio da família de Orlando, já que ninguém a quer por perto, mas Marina não tem  intenções de sair de cena. A narrativa transcorre em quatro dias e também atuam  no filme Aline Kuppenheim, Luis Gnecco e Amparo Noguera.
 
Em entrevista ao Mccinema em Berlim,  Lélio explicou as razões de sua predileção pelo tema das mulheres fortes em seus filmes.
 
“Acho que o cinema nasceu para filmar as mulheres e talvez seja essa a explicação porque me conecto tanto com elas na hora de contar histórias.  Quando fiz “Gloria”, tive a possibilidade de sintonizar com algo que estava no ar, esse conceito de  “o que é ser mulher?”.  “Una Mujer Fantástica” também é um filme sobre a mulher, mas vai muito mais além do que “Gloria”, disse o diretor detalhando o que significa exatamente ir muito mais além.
 
“Tem relação direta com as questões que eu quis propor para o público.  Era legítimo o amor de Marina?  Ela estava com Orlando porque o amava ou porque queria alguma outra coisa? Ela estava em seu pleno juízo?”, enfim espero que a trama do filme provoque reflexões nos espectadores, inclusive porque,  a meu ver, elas estão muito próximas do seu cotidiano e de coisas que estão acontecendo no Chile”.
 
Na vida real, a atriz Daniela Vega – que interpreta a transexual Marina – também é trans.  Ela nasceu como homem e aos 15 anos  começou sua transição para o sexo feminino.  Sua família, constituída de pais e avós jovens, entenderam e ajudaram na sua transformação.
 
Lélio conta que a decisão de escolher Daniela para o papel, de modo que a atriz protagonista fosse de fato transexual, foi fundamental para que tivesse feito o filme.
 
“O fato de Daniela ser  uma mulher trans faz com que nos esqueçamos de qualquer teoria sobre o assunto.  Ela não é uma atriz representando algo, simplesmente ela é.  Por trás de toda a narrativa sofisticada que é o filme, há alguém real que cria uma tensão muito especial no contexto da história”, ressaltou descrevendo as características de Orlando, interpretado por Francisco Reys.
 
“Ele é um homem mais acomodado do que Marina e tem bem clara a condição sexual dela. Isso também o torna um pária entre os seus.  E, por sua vez, isso também os transforma em  um par raro, desencaixado, fora de esquadro, algo assim como dois novos Bonnie and Clyde (clássico de Arthur Penn, de 1967).
 
Sobre a inspiração para o título do filme, Lélio disse que ele tem duas conotações: “Inicialmente uma referência a uma mulher genial, determinada, espetacular. Ao mesmo tempo, pode ser uma mulher fantasiosa ou ser produto de uma fantasia. É outra pergunta que deixo para os espectadores”, destacou o diretor que é um dos expoentes do bom momento que vive o cinema chileno, cada vez mais presente nos festivais mundiais.
 
Esse sucesso, segundo Lélio, tem a ver com os novos tempos vividos pela sociedade chilena.
 
“Penso que é produto do momento histórico e social que vive o Chile desde a recuperação da democracia em 1990. Vivemos um processo de aprendizagem, de reparação, de fazer escola, filmando muito e num momento de expansão dos limites possíveis”. 
 
Lélio está residindo em Berlim desde 2013, quando “Glória”, esteve na seleção oficial do festival, mas tudo indica que o coração continua no seu país natal.
 
“Vivo em Berlim, mas penso todo dia no Chile.  É uma cidade poderosa e a distância tem um lado que me permite  mirar  a realidade chilena de outra forma”, ressaltou Lélio, cujo novo projeto focará novamente as mulheres.

“Meu próximo  filme é uma adaptação do livro Disobedience,  de Naomi Alderman e há personagens femininos fortes. Um deles será interpretado por Rachel Weisz.  Na trama, ela retorna ao lugar em que nasceu, em Londres, apesar de que ninguém a quer ali”, explicou o coerente e talentoso cineasta.