Nas Telas - UM INTRINCADO DRAMA FAMILIAR
     
 

Myrna Silveira Brandão

PUBLICADA EM 28.03.14


O diretor Asghar Farhadi teve um grande sucesso com o seu premiado A Separação que, entre outros troféus, ganhou o Oscar e o Urso de Ouro.
 
Agora com O Passado (Le Passé) – que está estreando aqui – ele trocou o  Irã pela França para locação do seu novo filme, mas segue explorando os relacionamentos marcados pela hipocrisia, pelos ressentimentos e pela omissão.
 
O filme começa com a francesa Marie indo buscar o iraniano Ahmad, seu ex marido no aeroporto.  Ela o leva para sua casa, onde vive com Samir, o atual companheiro.
 
Após morar em Teerã por quatro anos, o ex veio a Paris para assinar o divórcio. Sem saber que ela já está morando com outro, Ahmad precisa lidar não apenas com a separação, mas com os problemas emocionais daquela família.
 
A filha mais velha de Marie não aceita o relacionamento da mãe que está grávida de Samir. Ele tem um filho pequeno e sua ex mulher está em coma no hospital, após uma tentativa de suicídio, cuja culpa, se é que existe, é uma pergunta a ser feita.  É um caldeirão de tensões reprimidas, prestes a explodir num grau inimaginável.
 
Responsabilidades, casais, mentiras, verdades, culpas são temas sempre presentes  no cinema de Farhadi, filmados através de uma intrincada teia de relacionamentos, suspense e reviravoltas.
 
Para alcançar o realismo característico das obras do diretor, o elenco ensaiou por dois meses em Paris e filmou por mais quatro semanas com uma equipe de franceses e iranianos.
 
Marie é vivida por Bérénice Bejo (O Artista), Ahmad é interpretado por Ali Mosaffa e Tahar Rahim (de O  Profeta) faz Samir.
 
O Passado segue a mesma linha do filme anterior, embora com uma estrutura menos sólida, mas Farhadi é inegavelmente um excelente diretor, que filma bem, dirige bem os atores e cria cenas que vão fundo nos sentimentos.
 
Solicitado a definir o cerne do seu filme, Farhadi é sincero e sucinto.
 
“O filme fala sobre como precisamos aceitar as verdades do passado e nos desculpar por algumas delas”, filosofa o diretor que teve sua nova produção liberada pelo governo iraniano sem dificuldade depois do sucesso de A Separação.
 
O Passado é o primeiro filme de Farhadi depois de ganhar o Oscar de melhor filme com A Separação e seu primeiro trabalho fora do Irã,  inteiramente rodado em Paris. As mudanças dos últimos dois anos, no entanto, não afetaram o diretor.
 
“Posso filmar fora por anos, mas sou iraniano e não mudo meu estilo de trabalho. Se Gabriel Garcia Marques fosse escrever um livro em outro país, não deixaria de ser colombiano”, analisa  o diretor, que recebeu várias ofertas de Hollywood após ter ganhado o prêmio da Academia.
 
“Após o Oscar, houve de fato uma fase meio maluca, mas quando foi preciso escolher algo que definiria meu futuro, me perguntava se queria continuar sendo um diretor ou virar um técnico carregando filmes dos outros”, afirma Farhadi, sem descartar totalmente a participação em produções externas.
 
“Prefiro escrever meus projetos e, quando tiver uma história passada nos EUA, certamente aceitarei sem problemas. Há coisas boas e ruins em Hollywood”, ressalva.
 
Sobre seu papel como Marie, Bérénice conta que chegou uma hora em que a voz do interprete virou a de Farhadi. 
 
“Mas esse período foi essencial porque sabíamos todas as respostas antes de rodar, eu só precisava me preocupar em falar os diálogos”, diz a atriz francesa que ganhou a Palma de Ouro em Cannes pelo seu desempenho no filme.