Plano Aberto - NÓS QUE OS AMÁVAMOS TANTO
 

Morreu ontem (19.01.16)   Ettore Scola, um dos maiores nomes do cinema italiano e universal.  O cineasta tinha 84 anos e estava internado em uma clínica de Roma desde domingo.
 
Scola nasceu em 10 de maio de 1931 em Trevico, estudou Direito em Roma e estreou no cinema com a comédia Fala-se de Mulheres em 1964.
 
O diretor conviveu com a segunda geração do neorrealismo, particularmente com Federico Fellini que foi seu colega de jornal.  Seu último trabalho “Que Estranho Chamar-se Federico” (2013) –  uma homenagem e uma celebração da amizade entre os dois – emocionou a todos no lançamento do Festival de Veneza naquele ano.
 
O viés humanista de seus filmes focava nos conflitos e contradições sociais, mas sempre com um olhar carinhoso para os seus personagens em obras memoráveis como: “Um Dia muito Especial” (1977), com os impressionantes desempenhos de Sophia Loren e Marcello Mastroianni, numa trama que inclui dramas pessoais, política, tragédias coletivas, fascismo e dilemas existenciais; “Casanova e a Revolução” (1982),  de novo com Mastroianni no papel do sedutor Giacomo Casanova; “O Baile” (1983),  uma reflexão sobre diversos temas da época, no belo filme realizado sem diálogos, apenas com música e atores; “Concorrência Desleal” (2001), denúncia sobre a competição exacerbada e sem ética que, conforme o tempo mostrou, só viria a aumentar.
 
Sem deixar de lembrar o tocante  “Nós que nos Amávamos Tanto” (1974), no qual o talentoso cineasta, através de três amigos (Gassman, Manfredi e Stefano Satta Flores), percorre 30 anos da história italiana e, no caminho, presta generosa homenagem a alguns que ele considerava seus mestres como De Sica e Fellini.
 
 
O tamanho da perda
 
A lista dos que já se foram dá o tamanho da perda: Zavatini, Visconti, Rossellini, Fellini, Massina, Mastroianni, Gassman, Sordi, Tognazzi, Fabrizi, Mangano, De Sica, Volonté, Leone, Magnani, Cervi , Manfredi, Dino Risi, Rota...
 
Só para lembrar alguns dos expoentes desse cinema, em 1974 morreu Vittorio De Sica, diretor do  genial Ladrões de Bicicleta (1948) e dos clássicos Milagre em Milão(1951), Umberto D. (1952) Matrimônio à Italiana (1964) e O Jardim dos Finzi-Contini (1970).
 
Em 1990, em sequência, morreram Aldo Fabrizi e Ugo Tognazzi.  Entre muitos personagens, Fabrizi nos legou o valente padre antifascista Don Pietro do marco neorrealista “Roma, Cidade Aberta” (1946), de Roberto Rossellini .  Foi em “Gaiola das Loucas” (1978), de Edouard Molinaro, que Tognazzi, com sua persona múltipla, liberou todo seu talento interpretando Renato Baldi , para esconder dos sogros de seu filho Laurent o fato de ser gay e dono de um clube de travestis.
 
Outra grande perda foi Luchino Visconti, que entre tantos filmes maravilhosos, nos deixou a  obra prima “O Leopardo” (Il Gattopardo, 1963), baseado no livro de Giuseppe Lampedusa. Nela, Visconti personifica no príncipe siciliano Salina, interpretado por Burt Lancaster com enorme sutileza, a si próprio: um homem preso às suas origens,  mas ideologicamente convencido a derrotá-las.  
 
Como deixar de falar de Marcello Mastroianni, um dos atores mais queridos da Itália e também do cinema mundial.  Em 1958, Mario Monicelli o escalou no papel de Tibério, um dos “Eternos Desconhecidos”. Mas foi o genial Federico Fellini, contudo, que lhe deu o grande empurrão em 1960 com “A Doce Vida”, quando, no papel do jornalista Marcello Rubini , se transformou em ídolo instantâneo. No mesmo ano e logo depois, Marcello fez outro filme de enorme sucesso, “O Belo Antonio”, de Mauro Bolognini. 
 
De Mario Monicelli, que  morreu  em Roma aos 95 anos de idade, jamais deixaremos de lembrar de seus filmes como o  cultuado “Os Companheiros”, de 1963, que marcou época e confirmou  um outro dote especial de Monicelli: a sua sensibilidade na escolha dos atores certos para os personagens certos. O Professor Sinigaglia interpretado por Mastroianni ficou para sempre na mente de cinéfilos do mundo inteiro.   Antes, Monicelli já havia juntado a arte de comediantes consagrados como Totò e Mario Carotenuto com o talento de Vittorio Gassman, no genial Brancaleone da Norcia em  “O Incrível Exército de Brancaleone” (1965).
 
Por sinal, Gassman é também o protagonista da obra prima de outro grande cineasta italiano: Dino Risi, que morreu em Roma aos 91 anos de idade.  Numa carreira que incluiu dezenas de filmes, a opinião geral de críticos e público considera “Aquele que Sabe Viver (“Il Sorpasso”), seu melhor trabalho.
 
Risi foi um dos nomes do neorrealismo, atuando no chamado Grupo de Milão, onde militavam, além dele  Luigi Comencini , Lattuada e outros. 
 
A lista é grande: qual o cinéfilo que esqueceria Alberto Sordi? Sordi (1920-2003), um dos mais prolíficos atores italianos, fez 147 filmes, começando praticamente como um extra em 1937 em “Cipião, o Africano”, dirigido por Carmine Gallone.
 
Foi pelas mãos de Federico Fellini que Sordi teve a sua primeira grande oportunidade em 1952, fazendo o papel principal na comédia “Abismo de um Sonho”, também estrelada por Giulietta Masina.
 
Ainda com Fellini, Sordi , compôs um dos cinco personagens-título de “Os Boas Vidas” -  I Vitelloni (1953), jovens de classe média da Romagna mais interessados em viver o momento presente do que em se preocupar com o futuro.
 
Em 2004, foi a vez de Nino Manfredi  ir  se encontrar com o resto dos “compagni”. Entre muitos outros, Nino deixou  trabalhos com De Sica (“O Juízo Universal”, 1962), Dino Risi (“Vejo Tudo Nu”, com Sylva Koscina, 1969), Ettore Scola (o terrível “Feios, Sujos e Malvados”, 1976) e o humanístico “Nós que nos Amávamos Tanto”,1974).
 
E ainda Damiano Damiani, que morreu em 2013 com 90 anos. Após estrear  com o policial, “O Batom”, fez filmes eróticos como “A Feiticeira do Amor”, faroestes como “Gringo” (Quien sabe?), e intimistas como “A Ilha dos Amores Proibidos”.
 
O cineasta,  no entanto, certamente será mais lembrado por sua contribuição  ao cinema político italiano.  Entre os  títulos mais célebres estão  “Confissões de um Comissário de Polícia ao Procurador da República” e “Só Resta Esquecer” sobre a polícia e o sistema penitenciário,  ambos com Franco Nero.
 
Um a um, eles vão indo embora, deixando como testemunhas de sua passagem entre nós, amantes desse inesquecível cinema italiano, as suas imagens na tela, e, acima de tudo, na memória de gerações inteiras de cinéfilos que tiveram o privilégio de assistir a alguns dos momentos mais mágicos que o cinema mostrou até hoje.
 
Com a perda de Scola,  a sensação que se tem é que nunca mais haverá um clã como esse. No auge em que floresceram, era nos encantarmos com seus filmes e esperar ansiosamente pelos que viriam.