AÏNOUZ FALA SOBRE O VIÉS CONTEMPORÂNEO DE SEU FILME
     
 

Publicado em 23.04.2020


“Aeroporto Central”, de Karim Aïnouz, será lançado no Brasil em streaming no próximo dia 24  de abril. A première mundial do documentário aconteceu na 68ª edição do Festival de Berlim em 2018, que marcou a volta do diretor argelino  à Berlinale onde tinha concorrido ao Urso de Ouro em 2014 com “Praia do Futuro”.
 
O filme  é uma coprodução entre Alemanha, França e Brasil e  o primeiro título do cineasta que não é falado em português.
 
A história se passa no antigo Aeroporto de Tempelhof, na capital alemã, uma das construções mais emblemáticas do regime nazista, que há dez anos foi desativada para voos.  O local abriga atualmente cerca de três mil pessoas à espera de asilo na Alemanha, oriundas da recente onda migratória vinda do Oriente Médio.
 
A trama segue Qutaiba Nafea, um paramédico iraquiano e um dos moradores do aeroporto, o jovem sírio Ibrahim Al-Hussein, de 19 anos.  O garoto morou no local durante um ano, até saber se seria beneficiado com a permissão de residência no país ou se seria deportado.
 
Em entrevista a Carlos Augusto Brandão, que fazia a cobertura da Berlinale naquele ano,  Karim falou sobre sua motivação para fazer “Aeroporto Central”  e a importância da seleção para o festival.

Depois de “Praia do Futuro” e “Catedrais da Cultura” em 2014, o que representa para você  essa seleção para a Panorama, uma mostra que prima por selecionar filmes de cunho social, originais e com viés contemporâneo? 
“É muito importante para o filme estar presente no Panorama, uma mostra que tem a tradição de exibir filmes que dialogam  com questões urgentes do seu tempo. É uma vitrine muito especial para um filme que a priori tinha sido feito exclusivamente para  a televisão. Nesse sentido, ele terá uma vida, além da televisão, também nas salas de cinema e nos festivais. E a Berlinale é um lugar muito especial”.

 Como resumiria o cerne do filme?
“O filme é um retrato do aeroporto que foi inicialmente imaginado por Hitler e que depois da guerra continuou de pé e foi de crucial importância para a cidade, seja como porta de entrada de mantimentos no pós-guerra, como aeroporto comercial, seja como campo de abrigo de refugiados da Alemanha Oriental na década de 40. Depois que foi fechado em 2008, virou um parque publico para habitantes da cidade. E finalmente em 2015 abrigou refugiados provenientes de conflitos no Oriente Médio. Então, neste sentido, o filme é também um retrato de Berlim, uma cidade cheia de camadas, contradições e porvires”. 

Qual a principal motivação para contar essa história?
 
“Meu desejo com este é filme sempre foi muito claro. Sou brasileiro - argelino, e durante meus anos de adolescência vivi na França. Foi a primeira vez que saí do Brasil. E foi impressionante: o que começou como um sonho foi aos poucos se transformando não em um pesadelo, mas em algo complicado. Por conta do meu nome, Karim, um nome árabe por excelência, a discriminação que vivi na França me fez ver o mundo com outros olhos, a partir de outro lugar. Aguentei dois anos ali e decidi ir embora. Para um adolescente não foi simples”.

Além desse aspecto mais pessoal, também pesou o contexto histórico atual?
“Nos últimos anos, a representação do jovem árabe, principalmente o homem, tem sido atrelado ao terrorismo, ao perigo, ao estrangeiro. Isso me incomoda profundamente. É de uma injustiça gigante. E, além disso, com a onda de pessoas fugindo de zonas de conflito ou de zonas economicamente desfavorecidas do plano, e chegando à Europa, esta impressão do estrangeiro tem se tornado cada vez mais grave, cada vez mais preconceituosa. E os que vêm para a Europa e que aqui conseguem chegar com vida são representados na grande mídia mais como números do que como seres humanos. Isso tem me causado uma grande indignação. É como se no contexto neoliberal onde estamos mergulhados, solidariedade fosse algo que não é possível. O medo irracional do outro parece ter chegado a limites inacreditáveis”.

Aeroporto Central pode contribuir para mudar esse estado de coisas?
“Meu desejo foi duplo. De um lado tecer o retrato íntimo de dois refugiados do Oriente Médio, um jovem sírio de 19 anos e um paramédico iraquiano que vieram para a Alemanha para escapar dos horrores da guerra e construírem uma nova vida. Minha vontade era dar rosto aos números, pois frequentemente eles são representados como multidões, mais do que como  seres humanos em procura de um abrigo.  Se o filme suscitar empatia por esses personagens ele cumprirá sua função”.
 
Além de sua trajetória de sucesso em tantos festivais e uma obra com tamanha  identificação com os espectadores, o  tema de Aeroporto Central – refugiados, onda migratória, e principalmente tendo Berlim como cenário – tem tudo para uma excelente receptividade.  Qual sua expectativa? 
“A melhor possível.  É simbolicamente muito significativo que o filme tenha a sua estreia mundial na cidade onde ele foi feito, numa tela de cinema gigante, para um publico de Berlim e do mundo. É também muito emocionante que a estreia do filme tenha a presença dos principais participantes do filme, originários da Síria e do Iraque, e que hoje vivem em Berlim”. 
 
 

 

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